...editora fenda... fenda edições, 30 anos no arame

Rita Marnoto ~ Negreiros-Dantas ~ Coimbra Manifesto 1925


design de João Bicker
Fenda 2009
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Aventei-me ao espaço Sul e enxerguei somente um fumo que, em forma de espiral de enbrionagem, bailava o nome Almada... Negreiros; José! - Entre um quadrado! Apontei esse corpo volátil como apontaria qualquer outro. Julguei-o, logo, um, cretino, porque, só, um, cretino, e, Sem, taLento, foge, das aureoladas, EsperançaS, Espaço, Norte, para Espaço, de, Sul, e, de, lá, faz, reflectir, o, seu diario, em, fragmentos, álaia, de, meio bife de taberna, ou, de, serviço, obrigatorio, de, W.C, em, dia, de, beberagem, da tal Magnesio, Dantas. Os meus pensares confirmaram-se quando o pateta que se diz Futurista e Tudo, lançou praï um manifesto em prosa de algodão, tratando de um outro imbecil: o Sr. de Dantas!!!,,, Ja é preciso ser Rasco em literatura pra se prender com tal banalidade!!! E' necessário serse idiota ou burro, tarado ou imbecil, ou Dantas, ou cretino ou Almada Negreiros!!!
Julga o Dantas destalentado porque usa cerolas de malha!
E' burro, positivamente, é burro, 30 milhões de vezes BURRO.
O Cretino não sabe que se essas cerolas forem de côr «Nile» dão intelecto ao possuidor?

Stephen Wilson ~ Ulysses, de fora


tradução de Isabel Pedro dos Santos
capa de Todas Manas
colecção Aladino 1
Fenda 1983
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Porém, não será, espero, excessiva temeridade ou complacência em demasia o que leva a propôr uma visão de fora (a minha) da obra, e nem pertenço à escola de pensamento que advoga a leitura «ingénua» na crença de que Ulysses não é «realmente» um livro difícil, mas que tem sido obrigado a parecê-lo por uma espécie de «conspiração de Professores e outros pedantes» para os seus próprios fins (quiçá a manutenção da sua alegada vida de «fazer pouco e ganhar muito»). Pelo contrário, se é que a justificação não vai parecer demasiado pomposa, sou motivado por um sentido de obrigação, por um acreditar que, na sua centralidade e importância, Ulysses não poderá ser ignorado por quem quer que se interesse seriamente pela literatura moderna - Começarei, pois, por tratar esta última questão, mas antes de o fazer, quero sublinhar que esta explanação dos meus motivos não deve ser lida como justificação do presente trabalho; tal justificação apenas poderá ser dada pela utilidade do mesmo, e esse veredicto, não me cabe a mim pronunciá-lo.

Antonin Artaud ~ O Teatro e o Seu Duplo


(capa da 1ª ed)
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(capa da 2ª ed)
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tradução de Fiama Hasse Pais Brandão
capas das duas edições de João Bicker
1ª ed, Fenda 1989
2ª ed, Fenda 2006
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O nosso hábito, já vindo de há muito, de procurar diversão nos espectáculos, fez-nos esquecer a noção dum teatro sério, que, a derrubar todas as nossas representações interiores, nos inspire, com o magnetismo ardente das suas imagens, e actue sobre nós como uma terapêutica espiritual cuja experiência se não possa jamais esquecer. Tudo o que é acção é crueldade. E é baseado nesta ideia duma acção extrema, levada além de todos os limites, que o teatro tem de ser reconstruído.
Ciente de que o grande público pensa, antes de mais nada, com os sentidos e de que dirigirmo-nos, em primeiro lugar, à compreensão como faz o vulgar teatro psicológico, é absurdo, o Teatro da Crueldade propõe-se recorrer a um espectáculo de massas tremendas de gente convulsionada e projectada uma contra a outra, algo dessa poesia das grandes festas e das multidões, quando, o que é muito raro hoje em dia, as pessoas invadem as ruas.
O teatro tem de nos dar tudo o que há no crime, no amor, na guerra, ou na loucura, se quiser voltar a ser necessário.

Sarah Adamopoulos ~ A Vida Alcatifada


design de José Almeida
Fenda 1997
[2000 exemplares]
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Mas a cigana do sonho era outra. Era uma que ele vira um dia na EDP/Infante Santo/Casos Problemáticos a insultar os funcionários. Era uma cigana mais nova que a da praia. E ali - no cenário do sonho tornado pesadelo - ela era uma espécie de secretária, embora o cargo dela não fosse coisa clara. Interessa para o caso que a cigana começou de repente a perguntar-lhe se ela estava bem, isto no momento em que ela se sentava numa mesa enorme, onde estavam muitas pessoas e o Miguel Sousa Tavares engravatado e mal-disposto a presidir, sentado num dos cantos.

Alface ~ Cá Vai Lisboa


capa de João Bicker / FBA
Fenda 2004
[1000 exemplares]
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Enquanto o destino de Delfim Sardinha endrominava aracnideamente as linhas com que o historiador se coseria (ou seria cozido), António Leão inclinava-se à farmácia do Firmino a comprar um frasquinho de lágrimas. Um ou dois.
Por norma, em épocas normais, um frasquinho durava-lhe três 15 dias. Desde porém que o Nóbre Náldega (alcunha que D. Nelson Novaes nem sonhava lhe assentasse que nem uma luva) o expulsara da Lista para a nova Direcção do Rosa, Leão vira-se na contingência de aviar um recipiente lacrimal por dia.
Para poeta - convenha-se - António vertia pouco. Não significando tal um défice de sentimentos. Muito ao contrário: Leão fazia frequentemente suas as dores do mundo e comovia-se nisso para além do contável, assim enfileirando com os líricos da sua estirpe.
Só que o sentimento não arrastava a seus olhos o correspondente caudal choroso e o choriço, por se sentir discriminado, recorria ao vasilhame do Firmino com regularidade módica. Um poeta como ele, hábil de mão e coração, nunca aceitaria de bom-grado traições da fisiologia.

Alface ~ O Fim das Bichas


colecção Fenda Luminosa 12
colecção dirigida por Vasco Santos
capa de João Bicker
Fenda 1999
[1100 exemplares]
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Essa Dona Ivone era feia, confessemos. Feia que nem cornos. Tão feia que até os postes de iluminação das ruas mais escuras (as únicas onde, colada às paredes e a horas mortas, se atrevia a passear) tinham tendência a desviar-se dela. Daí que a Câmara se visse forçada a substitui-los por postes mais altos e modernos. Uma medida, ditada embora por cautelas autárquicas legítimas, que ficaria para sempre associada à posterior descaracterização estética do burgo. E a maldade humana é tanta que os novos candeeiros passaram a designar-se, mesmo no patuá oficial, por ivones. Não há direito.
Ivone, a ajudante, era temida, provavelmente pelo cargo desempenhado (o mundo é dos ajudantes, decretaria o meu pai), mas sobretudo devido à carantonha, tipo canhão sem recuo nem emenda. As mães mais cruéis invocavam-na para forçar os catraios a engolir a sopa. Mas ai da mãe que recorresse aos préstimos aterrorizadores de Ivone para pôr os putos na cama: ele era gritos de meia noite, pesadelos impróprios de uma cidadezinha adormecida como a nossa. Serões de província. O melhor breu. Casa do eu.
Constava que o meu avô fora o grande amor da vida de Ivone, paixão tanto mais desesperada quanto nunca, mas é que nunca, ele pusera os pés no cartório. Não sei o que aconteceria, se lá fosse.
Nós achávamo-la um castigo divino, embora seja dito em nosso abono que éramos pirralhos ranhosos e ignorantes.

António Pocinho ~ Elucidário sexual


ilustrações de Pedro Amaral
capa de João Bicker
sobre ilustração de Pedro Amaral
colecção Fósforo 5
Fenda 1997
[2000 exemplares]
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LÍBIDO
(1) Modelo Automóvel. Ex. Fiat Líbido, Ford Líbido, Seat Líbido, VW Líbido e Renault Líbido. Os automóveis e as automóveis Líbido conseguem um desempenho dificilmente alcançável pelos outros modelos. (Ver CLAUDIA SCHIFFER)
(2 ) Bebida espumante.
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QUEM
Grande questão da sexualidade humana. Com quem é que vou? Quem é que está por cima? Quem é que fica por baixo? Quem é que dorme ao lado? Quem é que mora em frente? Quem é que tem aquilo que eu não tenho?
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REVOLUÇÃO SEXUAL
Movimento de revolução que o Homem descreve em volta da Mulher e que a Mulher descreve em volta do Homem ao longo do ano. Quando o eixo de Rotação da mulher faz um ângulo de 23 graus com o eixo de rotação do Homem - o ângulo da eclíptica ou VIRILHA - ambos podem desaparecer no horizonte do lugar: o quadrado do sexo.

Juan Manuel de Prada ~ Conos


tradução de José Carlos González
revisão e notas Júlio Henriques
desenho gráfico de João Bicker
capa de Mário Feliciano
Fenda 1998
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A cona das recém-casadas
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Não entendo as mulheres que se casam vestidas de saia e casaco diante dum juiz de paz ou presidente de Câmara a bocejar, armadas em modestas ou laicas. O que se impõe é o casamento de alto nível, perante o bispo da diocese, numa catedral tenebrosa de humidade e de pecados, ouvindo pacientemente o sermão e respondendo à liturgia do sacramento, para que depois a profanação do tálamo se torne mais complicada e cheia de remorsos. As noivas devem vestir trajos de noiva, é óbvio, para que o cetim lhes imprima nas feições um luto antecipado (porque é que as noivas se parecem tanto com as mortas? pergunto eu). As noivas devem chegar ao tálamo enfiadas em seda branca, com mangas postiças e ramos de açucena, coalhadas de branco, envolvendo a virgindade (ou a falta dela) numa mortalha, para que o noivo, depois da missa e do banquete, as vá despindo a pouco e pouco, por camadas ou substratos, como as cebolas. A cona das recém casadas é o coração que resta à cebola, uma vez extraídas todas as camadas de brancura. Impõe-se que os vestidos das noivas sejam estratificados e prolixos, para que o noivo, no seu trabalho de sapa e exumação, faça estalar o engomado da saia, do saiote e da combinação, as gazes e véus como lâminas de névoa sobre a carne. Impõe-se qua haja profusão de tecidos, para que o noivo no fim encontre a cona da noiva como um coração vegetal entre a folhagem. Impõe-se que o noivo vá despojando a noiva em silêncio, com uma quase exasterante lentidão, para retardar o momento sagrado da primeira foda matrimonial, dessa primeira foda, ainda fumegante de incenso, granulosa de arroz, a que os noivos costumam proceder na suite dum hotel, com a lua, essa pretensiosa, a ficar melosa nas janelas.
Eu sou o tal convidado de todos os casamentos que ata ao carro dos noivos uma fieira de panelas velhas, o tal convidado que os segue até ao hotel e lhes atira pedrinhas à janela e os chateia a noite inteira. Eu sou esse convidado, bêbado e insistente, que trepa pela fachada do hotel e se debruça sobre a suite dos noivos, com a desculpa da camaradagem e dos vapores etílicos, para contemplar a cona da recém-casada, esse âmago de cebola, e depois chorar, por sentir comichão nos olhos e nos testículos.

Unabomber (Theodore Kaczynski) ~ Manifesto: O futuro da sociedade industrial


precedido de O manifesto de Unabomber
de J.-M. Apostolidès
tradução de Cândida Paz / Júlio Henriques
capa de João Bicker
colecção Fósforo 6
Fenda 1997
[2000 exemplares]
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As pessoas tendem a pensar que, em virtude de implicar mudanças muito maiores, uma revolução é mais difícil de realizar do que uma reforma. A verdade, porém, é que em determinadas circunstâncias a revolução é mais fácil do que a reforma. A explicação é simples: um movimento revolucionário pode inspirar uma intensidade no empenhamento que um movimento reformista pura e simplesmente não consegue promover. Um movimento reformista apenas se propõe resolver um determinado problema social. Ao passo que um movimento revolucionário se propõe, quanto a ele, resolver todos os problemas de uma só vez e criar um mundo inteiramente novo; apresenta o tipo de ideal pelo qual as pessoas irão correr grandes riscos e fazer grandes sacrifícios.

Jonathan Swift (atribuído a) ~ Arte da mentira política


precedido de O vero mentir
de Jean-Jacques Courtine
tradução de Júlio Henriques
colecção Fósforo 4
capa de João Bicker
Fenda 1996
[1500 exemplares]
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Após haver estabelecido as qualidades do espírito sobre as quais a Arte se alicerça, no segundo capítulo o Autor trata da natureza da mentira política, que assim se define: a mentira política é, diz-nos ele, a Arte de convencer o povo, a arte de lhe fazer crer em falsidades salutares, e isso com determinado bom fim. Chama-se Arte por mor de distingui-la da acção de dizer a verdade, para a qual, segundo parece, não é necessária arte nenhuma; porém, pressuposta que seja esta sua definição, só devemos entendê-la no que tange à invenção, pois é preciso mais arte para convencer o povo duma verdade salutar do que para lhe fazer crer numa falsidade salutar e levá-lo a aceitá-la.

Jean-Michel Michelena ~ A política despida pelos seus solteiros


tradução e prólogo de Júlio Henriques
capa de Todas Manas
colecção Cobra 1
Fenda 1983
["99.958 exemplares (um dos quais fora do mercado)"]
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A política é o lugar derradeiro de uma graça, num mundo dela privado. A parte dos encantos de que as velhas celebrações litúrgicas perderam o segredo, recolhe-a ela sem o saber. Pois na política se valorizam as próprias esperanças, e os receios, que outrora a oração e a fé exprimiam. O ritualismo da missa encontra salvação no pesado compasso de espera das concentrações de massas (os cânticos pouco mudaram, e quanto à guerra, é ela sempre santa, que congrega, sossega, oferecendo ainda à soldadesca, o elementar sentimento de si - tal como dá à multidão o júbilo de ter um inimigo comum). Do mesmo modo, triunfa agora na histeria de classe a velha disposição humana ao sacrifício, lugar e sacramento de qualquer comunidade, enquanto o fervor se transforma em transe de facção. E assim é: os ódios partidários realizaram, salvando-a, a velha embriaguês de igreja, renovaram o género da litania gregária, levaram à perfeição a figura sacerdotal do profeta e do chefe, desenvolveram o gosto de servir, devolveram às imagens a sua glória, elevaram o sentimento de uma culpa a resgatar na dor. Fortificaram, em suma, uma inclinação nova pelo mártir.

Ernesto Sampaio ~ Ideias Lebres


colecção Fenda Luminosa 13
colecção dirigida por Vasco Santos
desenho gráfico de João Bicker
Fenda 1999
[750 exemplares]
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«Com grande escândalo de uns, sob o olhar um pouco menos severo de outros», Fourier propunha, com a mais imperturbável seriedade, que se pagasse a dívida da Inglaterra em ovos de galinha ou se suavizasse os sofrimentos do proletariado economizando nos fósforos, e apresentava o burro como o produto dos amores de Saturno com a Terra «em dominante simples maior sem intervenção do Sol». Fourier nunca se ria. Como Buster Keaton. Proudhon chamou-lhe «crápula delirante», e não nos admira que um discurso assim, privado de qualquer espécie de autocensura, caísse mal em mentes pequeníssimo-burguesas, tão esterilizadas pelo possível que jamais seriam capazes de admitir que só o impossível é fecundo.

Ernesto Sampaio ~ Feriados Nacionais


colecção Fenda Luminosa 11
colecção dirigida por Vasco Santos
desenho gráfico de João Bicker
Fenda 1999
[750 exemplares]
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O Palha d'Aço adorava as belas fressureiras (aos pares, claro). Que de chupões, linguários, roçaduras, titilações desesperadas, furores rodopiantes sem tir-te nem guar-te... Elas devoravam-se, regalavam-se, e o Palha d'Aço regalava-se também, consumidor furtivo, discreto, do feérico carniçal entusiasta.
Ah, as fressureiras! Bons tempos repousantes os que passara com elas. Viviam possessas, numa fremência constante, fressurentas o dia inteiro. Não pensavam noutra coisa e a sua ideia fixa era um maná para ele. Deixavam-no em paz, todas entregues àquilo, palpitações, tremuras, malícias, caprichos, cativações...

Henri Michaux ~ As Minhas Propriedades


tradução de José Carlos González
colecção Fenda Luminosa 17
colecção dirigida por Vasco Santos
capa de João Bicker
Fenda 1999
[1000 exemplares]
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A simplicidade
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O que sobretudo faltou à minha vida, até agora, foi a simplicidade. Começo a mudar, a pouco e pouco.
Agora, por exemplo, saio sempre de casa com a minha cama, e quando uma mulher me agrada, pego-lhe e vou para a cama com ela de seguida.
Se tem orelhas feias e grandes, ou então o nariz, tiro-lhos com a roupa e meto-os debaixo da cama; depois ela encontra-os ao sair. Só fico com o que me agrada.
Se eu vir que ela fica melhor com outra roupa interior, mudo-a logo. Será o presente que lhe ofereço. Se, no entanto, vejo outra mulher mais interessante a passar, peço desculpa à primeira e faço-a desaparecer imediatamente.
Pessoas que me conhecem acham que eu não sou capaz de fazer o que aqui deixo escrito, que não tenho suficiente temperamento. Eu também pensava assim, mas isso era por causa de não fazer tudo tal como me agradava.
Agora, passo sempre umas tardes agradáveis. De manhã, trabalho.

Henri Michaux ~ Equador


tradução de Ernesto Sampaio
colecção Fenda Luminosa 5
colecção dirigida por Vasco Santos
capa de João Bicker
(sob desenho gráfico de Mário Feliciano)
Fenda 1999
[1000 exemplares]
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A núvem equatoriana não tem rival. A bela nuvem equatoriana! Quase apaga o horizonte inteiro e não recua diante de nenhuma forma. E quanto à cor, por mais pequena que a nuvem seja (por vezes vemos uma, mais pequena que uma borracha num pano de céu, que permanece cerrada, e cintilante, e camaleão ao infinito, indiferente a todos os ventos, como que ancorada, quando todas as outras já foram chicoteadas e repelidas para longe), quanto à cor, dizia, possui todas as tintas e todos os sucos, e desafia que lhe venham fazer reparos, desafia qualquer nuvem sobre esta terra, sem exceptuar a mais excepcional nuvem marítima.
De repente, não se sabe como, por volta das seis da tarde, acabou-se. Não se vê nenhuma. Segue-se um céu estrelado muito puro, crivado de estrelas e tão mais imenso do que a terra...
A estrela não ilumina, mas a cada olhar virado para si, envia o seu reflexo.

Kurt Schwitters ~ Augusta Pia ~ um xarope de fígado de bacalhau


tradução de Judite Berkemeier
capa de João Bicker
Fenda 1989
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O autor criou um símbolo notável para a Crícritica de Arrte como deve ser. É uma cópia fiel a partir das críticas de jornais diários. A imprensa diária sobre arte, a chamada imprensa artística diária, anda com um vestidinho de criança. Casta e púdica, pôs um aventalzinho com um folho bordado - não confundir com fedor borrado. Pernas não tem, como quem diz, esgotaram. Mas então como é que ela há-de mandar? Com as mãos. Mas essas, como quem diz, também esgotaram, braços e tudo. Mas então como é que ela há-de agarrar? Com a cabeça. Mas a cabeça não passa de um cabide. Ora aqui é que está pendurada a imprensa artística diária com o seu folho bordado. Mas então como é que ela há-de pensar? Para este fim o autor acrescentou-lhe uma cabeça sobressalente, como aquelas que se encontram ao lado dos bustos reais no Antigo Egipto nas câmaras mortuárias das pirâmides. A cabeça tem a expressão característica dos críticos de arte no seu estranho ladrar, óculos sobre o nariz e um lenço no lugar onde devia estar a inteligência. O nariz é encarnado. Para dar de beber à dor, não há como uma ginginha.
Mas que introdução vem a ser esta? Meu caro senhor, antes de nada trata-se de subornar a crítica para ela dar boas notas ao meu livro. Quem bem lubrifica, melhor anda.

Carlos Couto Sequeira Costa ~ aesth / ethica


design de João Bicker
Fenda 2009
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33. viii. (caosmogonia
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onde estás, onde és?
onde cabes?
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és donde as ondas
se demoram, e namoram,
coladas às núvens, és donde
os céus circulam com as
marés cheias
de sóis,
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és donde a estrela maior
chora, e desova e sorri,
de alegre melancolia,
e o peli
cano matulo enfim casula
com o choco sarapintado,
dando assim
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origem às três graças,
fiadeiras do nosso tempo:
a noite, o dia , a sé
pia
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és donde o Ser é Zer,
zigue-zague,
tudo cordas, e
ventania

Jorge Sousa Braga ~ O Poeta Nu


(capa da 2ª ed)
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1ª ed, Fenda 1991
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2ª ed, Fenda 1999
colecção Fenda Luminosa 8
colecção dirigida por Vasco Santos
desenho gráfico de João Bicker
[1000 exemplares]
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Carta de Amor
.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..A Eugénio de Andrade
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Um dia destes
vou-te matar
Uma manhã qualquer em que estejas (como de
. . . . .costume)
a medir o tesão das flores
ali no Jardim de S. Lázaro
um tiro de pistola e...
Não te vou dar tempo sequer de me fixares o rosto
Podes invocar Safo, Cavafi ou S. João da Cruz
todos os poetas celestiais
que ninguém te virá acudir
Comprometidos definitivamente os teus planos de
. . . . . .eternidade
Adeus pois mares de Setembro e dunas de Fão
Um dia destes vou-te matar...
Uma certeira bala de pólen
mesmo sobre o coração

João Cabral de Melo Neto ~ Poesia e Composição ~ A Inspiração e o Trabalho de Arte


Fenda 1982
colecção As Lágrimas de Eros 1
[500 exemplares]
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Ora, apesar de ser primordialmente artista, este poeta é, antes de tudo, de seu tempo. Êle é tão individualista quanto aquêles outros poetas que aceitam cegamente o ditado de seu anjo ou de seu inconsciente. Da mesma forma que aquêles, este poeta-artista ao criar seu poema cria seu gênero poético. Só que nele êsse gênero não é definido pela originalidade do homem mas pela originalidade do artista. Não é o tipo novo de morbidez que o caracteriza mas o tipo novo de dicção que êle é capaz de criar. E é aqui que começa o desesperado de sua situação. Porque essas leis que êle cria para o seu poema não tomam a forma de um catecismo para uso privado, um conjunto de normas precisas que êle se compromete a abedecer. Ao escrever, êle não tem nenhum ponto material de referência. Tem apenas sua consciência, a consciência das dicções de outros poetas que êle quer evitar, a consciência aguda do que nele é éco e que é preciso eliminar, a qualquer preço. Com a ajuda que lhe poderia advir da regra preestabelecida êle não pode contar - êle não a tem. Seu trabalho é assim uma violência dolorosa contra si mesmo, em que êle se corta mais do que se acrescenta, em nome êle não sabe muito bem de quê.

Alberto Pimenta ~ Santa copla carnal


Fenda 1993
[750 exemplares]
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porém este
intervalo
acaba:
todos os
inter
valos
ao cabo
acabam.
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até lá
a língua
guarda um: o
mito.
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até lá guarda
guarda debaixo dela
um :o
mito.
.
até lá
tê la
t e la
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(passagem dum estado eufórico
a um estado metafórico)

Alberto Pimenta ~ IV de Ouros


capa de João Bicker
Fenda 1992
[750 exemplares]
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pode tratar-se dum retrato, duma retrete ou dum poema; tal como sucede com os artificiais, o objecto artístico é uma coisa com sintaxe significante, a qual se sobrepõe às partes constituintes para assim exibir unidade, para mostrar que o objecto é um. o todo é mais que as partes, diz-se. ou seja, o todo adquire um valor próprio, um significado que transcende as partes, e isso é o um: a agregação de muitos numa coisa que é estável e os transcende pelo significado. o enganoso do objecto artístico, e ao mesmo tempo o engenhoso, é que ele parece um, mas não é, é dois. quer dizer, é a coisa do objecto e a do sujeito, e isto sem que seja imagem dum, ou doutro.

Luis Buñuel ~ O meu último suspiro


Tradução de Tomás Schmitt Cabral
design de João Bicker
Fenda 2006
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Psiquiatras e analistas de todos os tipos escreveram muito sobre os meus filmes. Fico-lhes agradecido, mas nunca leio as obras deles. Não me interessam. Noutro capítulo falo da psicanálise, terapêutica de classe. Acrescento aqui que alguns analistas, em desespero de causa, declararam que eu era "inanalisável", como se eu pertencesse a outra cultura e a outro tempo, o que afinal de contas é bem possível.
Com a idade que tenho, deixo os outros falar. A minha imaginação ainda aqui está , na sua inatacável inocência sustentar-me-á até ao fim dos meus dias. Horror à compreensão. Felicidade de acolher o inesperado. Estas tendências antigas acentuaram-se ao longo dos anos. Vou-me retirando pouco a pouco. O ano passado calculei que em seis dias, que equivalem a cento e quarenta e quatro horas, só tinha conversado com amigos durante três horas. O resto do tempo, solidão, devaneio, um copo de água ou um café, aperitivo duas vezes ao dia, uma recordação que me apanha desprevenido, uma imagem que me visita, uma coisa leva à outra, e já é noite.
Não sou filósofo, nunca tive capacidade de abstracção. Se alguns espíritos filosóficos, ou aqueles que assim se consideram, sorriem perante o que lêem, fico contente por tê-los feito passar um bom bocado. É um pouco como estar de regresso ao colégio dos Jesuítas de Saragoça. O professor aponta para um aluno e diz: "Refute-me o Buñuel!" E está feito em dois minutos.

António Pocinho ~A Ilustre Máquina de Ramires


(capa da 2ª edição)
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1ªed, Fenda 1988
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2ªed, Fenda 1999
colecção Barco Bêbado 2
capa de barbara says
[750 exemplares]
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Foto de toda a Idade Média, obtida com exposição prolongada, junto ao Vaticano, vendo-se como não havia persianas nas janelas.
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Fotografia ampliada de um paradoxo. O homem que está a acenar para a câmara, junto ao portão, não aparece na fotografia.
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António Pocinho ~ Os pés frios dentro da cabeça


colecção Barco Bêbado 1
capa de barbara says
Fenda 1999
[750 exemplares]
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\o mistério da defesa
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Saiu-me um político nos corn-flakes. Um político que eu já tinha. Perguntei aos colegas lá na cantina se não tinham nenhum político repetido para a troca, mas descobri que todos eles já tinham governo formado. Cada governo dava direito a um povo. Havia colegas meus que até já tinham vários povos e estavam a formar confederações e uniões. Um tipo que trabalha no aprovisionamento ainda me propôs um presidente para a troca. Mas para que preciso eu de um presidente se quando me saír um militar os invado a todos?!

Carlos Vidal ~ Democracia e livre iniciativa


Capa de João Bicker com fotografia de Acácia Maria Thiele
Fenda 1996
[1000 exemplares]
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Herberto Helder surge aqui pelo facto dessa sistemática recusa de se inscrever, desde logo, no corpo da sua obra, cujas características internas, creio sem grande dificuldade, se aproximam do pensamento e da conduta de Guy Debord, alguém cujo suicídio recente vem culminar um trajecto de recusa de uma socialização em que tudo existe separado e sem pertença ao indivíduo, e onde, por isso mesmo, nem a própria medicina pode escapar a esse totalitarismo da sobrevivência que o mercado impõe (no que se torna tanto mais repulsivo porquanto a esquerda actual é a sua mais eficaz máquina de reconciliação - da reconciliação entre a pseudo-emancipação e o capital).

Júlio Henriques ~ Modas & Bordados d' Alice Corinde


Capa de João Bicker
Fenda 1995
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Pai Moço, que mijais ao Léu, panificado seja o vosso nome. Venha a nós o vosso ranho; seja a eito a vossa pontada, assim na berra como no breu. O cão nosso de cada tia nos dai hoje; perdulai-nos as nossas imensas assim como nós penduramos a quem nos tem estendido; e não vos deixeis latir em cada cão, mas lixais-nos num vale.

Denis Diderot ~ Suplemento à viagem de Bougainville


(capa da 2ª ed)
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1ªed, &etc 1984
Tradução introdução e notas de Manuel João Gomes
Capa de Carlos Fernandes
[1000 exemplares]
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2ªed, Fenda 2008
Tradução de Miguel Serras Pereira
Design de João Bicker
edição em homenagem a Vítor Silva Tavares, editor
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Quereis saber a história abreviada de quase toda a nossa miséria? Ei-la. Existia um homem natural; introduziu-se dentro desse homem um homem artificial, e subiu na caverna uma guerra contínua que dura a vida toda. Ora o homem natural é o mais forte; ora o homem moral e artificial o derruba; e, tanto num caso como no outro, o triste monstro é estirado, atezanado, atormentado, deitado na roda, gemendo sem cessar, sem cessar desgraçado, quer o transporte e o embriague um falso entusiasmo de glória, quer uma falsa ignomínia o vergue ou abata. Há, no entanto, circunstâncias extremas que reconduzem o homem à sua primeira simplicidade.

Vasco Santos desencaminha João Bicker (surrupiado ao DN gente)




O 'atelier' FBA, que já ganhou três 'Red Dot' e um prémio de prata no Europeu de Design, integra a selecção das 50 capas mais bem desenhadas do mundo.

Rabiscava uns bonecos numa mesa do Café Tropical, ponto de concentração estudantil e intelectual na Praça da República, em Coimbra, quando ouviu uma voz da mesa ao lado a interpelá-lo, naquela tarde de 1984: "Tu desenhas?" O estudante de Biologia, natural de Gouveia, quando a actual cidade era ainda uma pujante vila industrial, retorquiu: "Não! Faço só uns bonecos."

Na outra mesa, o aluno de Medicina lançava-lhe então o desafio que iria mudar a sua vida: "Vais fazer a capa de um livro." João Bicker ainda reclamou: "Mas não faço ideia de como se faz a capa de um livro." Vasco Santos, que era o editor da revista Fenda e estava a lançar os primeiros livros, concluiu a conversa com uma palavra singela: "Aprendes." E João Bicker admite que aprendeu a fazer livros com Vasco Santos, que o iniciou no universo das tipografias, ainda no tempo dos caracteres metálicos.

Foi assim que começou a carreira do criador da FBA, o atelier que garantiu a modernidade ao design de Coimbra: no ano passado obteve o Troféu Sena da Silva e, na Alemanha, três Red Dot Awards pelo design gráfico e catálogo da exposição "Weltliteratur" (da Fundação Gulbenkian) e pelo projecto de identidade visual do Mosteiro de Santa Clara-a-Velha; depois, ganhou um Silver Award no último Festival Europeu de Design, em Roterdão, com a colecção de livros Minotauro, que ainda foram incluídos, pelo American Institute of Graphic Arts, de Nova Iorque, a maior associação internacional de profissionais de design, na selecção anual (feita desde 1941) dos "50 livros e capas mais bem desenhados" do Mundo.

João Bicker andava no terceiro ano da Faculdade quando concluiu que não queria ser cientista e, em vez de Zoologia ou Botânica, optou por Antropologia. Ainda foi assistente naquele departamento, mas depressa se voltou para as colecções do Museu Antropológico e passou a ser responsável pelas exposições, cartazes e catálogos. A par dessas actividades, começava a colaborar com outros projectos, companhias, instituições. Em 1988, Vasco Santos mudou-se para Lisboa e João Bicker tornou-se o autor todas as capas da Fenda. E, sempre com Jazz como música de fundo (pode ser um disco de Keith Jarrett ou de Bill Evans), assinou trabalhos para o Instituto Paulo Quintela, Coimbra - Capital do Teatro, Citemor, Encontros de Fotografia, Cena Lusófona.

Até que surgiu a hipótese de formar um gabinete de design de comunicação, numa parecia com Alexandre Matos, Rui Pratas e Maria Ferrand. E, em 1998, é fundada a FBA - Ferrand, Bicker & Associados, que foi criando programas de identidade visual, design editorial, projectos gráficos para exposições, suportes digitais e sinalética.

Por essa época, a Nova Almedina pretendia renovar a imagem, com o arquitecto João Mendes Ribeiro a remodelar os espaços da livrarias e a FBA a reformular a identidade da editora. E João Bicker, que reconhece ter afinidades com as escolas de design britânica e americana - aprecia as obras de Alan Fletcher, um dos fundadores do estúdio Pentagram e autor do logotipo do Victoria and Albert Museum, e de Paul Rand, criador dos logos da IBM, da UPS e da ABC -, até ali publicou um pequeno livro, feito em parceria com Maria Ferrand e intitulado A Forma das Letras.

O grupo Almedina, cujo catálogo tradicional são os livros jurídicos, passou a deter também as Edições 70 e, no ano passado, resolveu lançar a chancela Minotauro, apenas com seis títulos por ano, mas em edições bem cuidadas - obras destinada a um leitor urbano e culto e livros que se distingam enquanto objectos de culto. E de tal forma o conseguiu que aquele conjunto de quatro capas foi incluído no lote das 50 mais belas capas editadas em todo o Mundo no ano passado.
E João Bicker, agora com um atelier cheio de jovens talentosos (como é o caso, por exemplo, de Ana Boavida, autora das ilustrações das premiadas capas da Minotauro), admite que já não rabisca; abandonou o desenho.

Fernando Madaíl, 10.07.2010

Pedro Bravo ~ Verbo Vermelho


col Novos Monstros 3
Fenda 1998
[550 exemplares]
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Para poder viver com os homens
é necessário aceitar
...............o sexo e a merda
porque ambos correspondem no imaterial
à condensação do corpo no ser
do ser no espírito
Pois
é pela sexualidade
.........por esse monte desterco acumulado em torno das cubatas
que se reconhece o Homem
e do Homem.................a sua identidade.

Montesquieu ~ Elogio da sinceridade


Tradução de Miguel Serras Pereira
Posfácio de José Manuel Heleno
Fenda 2005
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Aqueles cujo coração se corrompeu desprezam os homens sinceros, porque estes raramente acedem às honras e às dignidades; como se houvesse mais bela ocupação do que a de dizer a verdade; como se o que faz com que se faça bom uso das dignidades não fosse superior às dignidades mesmas.

Jogging para escribas


Cursos de Escrita Criativa
Aula do Risco
Coordenação, selecção dos textos e prefácio de João Louro
Fenda 1998
[1100 exemplares]
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Ü CUGMELÄNHO
[pronúncia de São Miguel - Açores]
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Erüma vés, üm cugmelänho tom minüscül qmás parcia üm peqén céche. Üm dia, chtavü cügmelänho ceconselândau çol, quând pâli paçô üm fürom.
-Qestás fazänd? - pergüntô ü fürom.
- Xtô apanhând çol, xtá bom dvér.
- De rpént xtáste xamüscând.
- Óra...- diçu cugmelänho.
Ü fürom continüô olhând parü cugmelänho i ficô pensând, pensând...
- Nom mcômas qeçô venenôze - foidizändü cugmelänho. Mazü fürom nom lhedeu ôvides i vádiü cumer tôde. Iali cefinô xamuüscândauçol.

Pierre Louÿs ~ Manual de civilidade para meninas


(capa da 2ª ed Fenda)
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(capa da 3ª ed Fenda)
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1ªed, &etc 1980
Tradutor não é referido
[1500 exemplares]
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2ªed, Fenda 1988 (1ª edição Fenda)
Tradução e prefácio de Júlio Henriques
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3ªed, Fenda 1995 (2ª Edição Fenda)
Tradução e prefácio de Júlio Henriques
Ilustrações «repescadas em lugar incerto»
[1000 exemplares]
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4ªed, Fenda 2005 (3ª Edição Fenda)
Tradução e prefácio de Júlio Henriques
Ilustrações de Pedro Proença
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Deveis compenetrar-vos da seguinte verdade: todas as pessoas perante vós presentes, seja qual for o sexo e a idade delas, têm o secreto desejo de por vós serem chupadas; a maior parte, porém, não se atreve a declará-lo.
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Começai pois por respeitar a hipocrisia humana a que também se chama virtude, e não digais nunca a um cavalheiro, diante dum grupo de pessoas: «Mostra-ma a tua pissa, que eu mostro-te a minha racha.» Porque por certo vos não mostaria ele a pissa.

Oscar Wilde ~ Um guia para a vida moderna













(capa da 1ª ed)




(capa da 2ª ed)

Selecção de textos, tradução e prefácio de Pedro Gorman
1ª ed, Fenda 2000
[1ª edição com desenhos de Nicolas Bentley e BTB
e capa de Mário Feliciano/Secretonix]
2ª ed, Fenda 2004


O dia em que o público descobriu o poder da caneta foi fatal. Pôs-se logo em busca do jornalista, encontrou-o, fê-lo crescer e tornou-o um servo diligente e bem pago. É grave, para ambos. Atrás da fachada poderá haver algo de nobre e heróico; mas que nos reserva o artigo senão estupidez, preconceito, hipocrisia e intriga? E quando estes quatro se unem, formam uma força terrível, constituindo uma nova autoridade.

(...)

Colaborar numa mentira é uma acção distintamente cobarde, se bem que os jornais o façam diariamente. Não é acção apropriada a um cavalheiro, pois jamais algum colaboraria numa coisa sabendo-a falsa.

Marc-Ange Graff ~ Betty, Deus, Beatriz e algumas citações


Tradução de João Camilo e Filipa Júdice
Abril 1999
[400 exemplares]

É certo que Betty se masturbava, no fim de contas, de forma casta. Eu nunca a tinha imaginado a sonhar com velas ou com priapos, e o seu dedo só vasculhava a vulva à procura do santo óleo que a sagrava rainha e escrava. Mas temia que também ela quisesse de mim apenas aquilo que tantas outras tinham querido e que eu tinha oferecido tantas vezes e com tanta complacência, tão monotonamente. Se eu queria que o seu desejo se tornasse profanador, devia aceitar que ele permanecesse por algum tempo profano; mas não podia admitir da sua parte nenhum desejo simplesmente laico.

Stig Dagerman ~ A nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer


(capa da 5ª ed)
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Versão de Paula Castro e José Daniel Ribeiro
1ª ed, Fenda 1989
2ªed, Fenda 1992
3ª ed
4ªed, Fenda 2000
5ªed, Fenda 2004

Por vezes, à beira-mar, no perpétuo movimento das águas e no eterno fugir do vento, sinto o desafio que a eternidade me lança. Pergunto-me então o que vem a ser o tempo, e descubro que não passa do consolo que nos resta por não durarmos sempre. Miserável consolo, que só os Suíços enriquece...