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Bernard Noël ~ Extractos do Corpo


tradução de Laura Lourenço e Marc-Ange Graff
capa de João Bicker
Fenda 1997


No princípio, o olho visitou a medula, e eu nasci. Um sexo emergiu no oposto do olho para ver o tempo, e, devagar, a medula fiou um novelo de nervos à volta do qual escorreram as horas. E houve o ventre. Então a água teve sede de se pegar, e condensou a pele. O mole gerou o seu contrário, e apareceu o osso. Houve um dentro e houve um fora, mas o dentro continha o seu próprio fora que dizia mim enquanto o outro dizia eu. O olho pô-los às escuras e virou-se para o fora-fora. Eu tive um rosto, um volume, um corpo. Fui um cheio, que ia sempre para frente. Mas o meu olho inverteu-se. Agora, vejo para trás, agora sou oco, e o meu corpo terá de ser recriado.

(...)

Da barriga à garganta, esticou-se o espaço. A pele cresceu. Atado a mim mesmo, sugo o meu interior, esvazio-me em mim. Mais tarde, o osso vertebral mineraliza as articulações todas. O olhar gela. O sangue porém voltará a subir pelas represas arteriais, e fará crescer na pele o fungo cor-de-rosa dum sorriso. Ser eu continua a ser parte da essência do eu.