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António Cabrita ~ Arte Negra


colecção Fenda Luminosa, 16
dirigida por Vasco Santos
Fenda, 2000
[1100 ex]


I beg your pardon!
Passeios em Dante

1

A meio do Arquimarché, entre PêCês e Cêdês
Rom's - um rosto lacunar e prateado pelas quatro
línguas do garfo, sob o braço - pareceu ao poeta

que o poema o trepanava. Ia o sobredito leve
de sobrolhos, a tarde engatilhada em quatro taças
de verde e soube de repente que dentro em si

ainda abalos vários campeavam: «o sentido
é o lobo da palavra: faça-se a batida!»
Houvera um Virgilio-da-Guarda pelo desfolhar

das mãos ou por florestas de maçanetas e chips,
um sonho derradeiro que desferisse razões.
Mas a fé, a extrema fé, só gerara cucus e pensões

e na ala de graxas e sapatos, provido de polaróide,
afrontava agora a fera oval - o seu passado
de extravios que algemou ao menor dos círculos

todo o firmamento - e descobria-se tão iludido
como encurtado por um surto de facturas:
«O sentido é o lobo da palavra: faça-se a batida!»

Urgia ao poeta uma tesoura de poda.
A palavra já mergulhava no tinteiro o nervo exposto
incendiava por conta própria o medo o sabugo

e o nado-anjo. A palavra que emala ilhas
águas intermédias e cumula insónias, à luz
mais débil, fazendo regurgitar maremotos

e a estricnina, ria-se sem dó das suas últimas
conquistas: impostos sem atrasos, idas ao cinema
uma por outra travessia das fronteiras.

Até ao balcão dos queijos nada o sossegou.
E pior ainda entre laxantes, pranchas de surf
legumes e apalpa-folgas - o poeta já se via

esborratado na ardósia, à chuva e sem acinte,
à mercê das matizes mais avulsas e dos «amigos»
invisíveis que em perigos o mar excedem

e fazem dobrar todas as línguas.
Cismando na renúncia o vate suplicava
o arraso das gavinhas: à tona e sem remorso.

Mas abriam-se as cortinas ao amealhar
da sílaba, a cifra estreitava-lhe os pulmões:
«...o lobo da palavra - faça-se a batida!».

(...)