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Eileen MacDonald ~ Matem as Mulheres Primeiro


tradução de Pedro Serras Pereira
capa de Secretonix
Fenda, 2000


Pouco passa da meia-noite e a mulher de preto lá está outra vez, ali sozinha nos arrebaldes da cidade. Assim que começa a apedrejar o jipe dos militares, irrompem focos luminosos no escuro do céu e ouve-se o aviso do fogo de artilharia. A mulher desaparece. Passados dez minutos, quando tudo voltara à escuridão, reaparece e as pedras voltam a voar. Continua nisto durante duas horas. É a segunda noite que faz a sua demonstração solitária. Ninguém na cidade sabe quem ela é nem donde vem.

O céu azul parece estar repleto de objectos voadores - pedras e calhaus, uns catapultados por um perito com onze anos, outros debilmente arremessados por um pequeno titubeante. São lançados pneus em chamas, libertando um fumo acre que queima os olhos e o nariz. Os soldados retaliam com uma rajada de tiros e uma bomba de gás lacrimogénio. Toda a gente foge, mas um miúdo, com cerca de dez anos, é apanhado. Solta um grito lancinante quando um soldado lhe inflinge um violento golpe com um bastão de madeira, apanhando-lhe as costas e as pernas. Um bando de mulheres aparecidas sabe-se lá de onde, corre como as «Fúrias» na direcção do soldado que agarra o miúdo. Vendo-se cercado, o soldado, assustado, pára de bater no rapaz. Tenta repelir as mulheres que gritam todas elas pelo seu filho. No meio da confusão, uma delas arrebata-o e foge com ele dali para fora.

Ouvem-se tiros e berros no acampamento - os soldados estão aí. A mãe dá um pontapé no filho de oito anos, sentando-se absorta nas palavras que a irmã troca com o intérprete. O rapaz levanta-se de um pulo, corando, e desata a correr lá para fora. O intérprete explica: «Ela disse:'não tens vergonha? Vai lutar com os teus irmãos e irmãs'.»

Isto é a Intifada, a insurreição dos palestinianos, desde 1987, contra a invasão militar israelita do West Bank e da faixa de Gaza. Desculpar-se-á o facto de as pedras e os bocados de rocha, que constituem o grosso do arsenal dos guerrilheiros, não poderem ser classificados propriamente como armas de terror - especialmente quando se enfrenta um exército treinado e bem armado. As autoridades israelitas, porém, decretaram que qualquer pessoa que atire uma pedra a um soldado israelita está a ameaçar a segurança do Estado.